sábado, agosto 01, 2009

A metamorfose




"Os adversários políticos não são inimigos. Deve-se-lhes consideração, respeito. Alguma elegância no trato também não fica mal: perca-se ou ganhe-se. Em tempos de vulgaridade há quem o esqueça. Não é indiferente saber ganhar e saber perder: a atitude revela algo mais profundo. Mas esse respeito tem andado por longe. O azedume campeia.

E porquê? Não há desprendimento. Independentemente do que se pense sobre a questão, é facto objectivo que há em todos os partidos pessoas que nunca tiveram actividade profissional e apenas têm 'vida' política ou que da política fazem vida (há que exceptuar alguns - poucos casos que se dedicam exclusivamente à política com prejuízo da sua vida profissional, mas estes são raridades). Em ambos os casos é evidente que, não tendo vida profissional, mas sendo apenas profissionais da política ou aproveitando a política para ter mais vida, precisam desesperadamente de se manter num qualquer cargo remunerado ou de influência. E essa luta pelo poder pode transformá-los em... animais ferozes, para parafrasear alguém, dispostos a tudo para continuar.

Não têm uma ideia sobre o País, mas um manual e pesado sobre si próprios. Falam, almoçam, jantam, passeiam, segundo regras profundamente marketizadas. Vivem em permanente vigília, dão importância a coisas que a não têm, levam-se muito a sério, sem que nós vejamos razão, mas enfim. Ocupam tudo o que é Estado (e público) e ultimamente até o que não é. Pretendem Dominar tudo para que não possam ser criticados e criam cadeias de dependência onde mantêm presas as suas subespécies. Tratam a coisa pública como sua, ridicularizam-se em restaurantes, fumam fartos charutos (que não fumavam) e estão pouco à vontade no que antes não conheciam. Não lêem, decoram meia dúzia de frases de livros que não abriram. Vestirão a pele dos cordeiros que imolaram, que for caso disso.

Embora o País tenha dito nas urnas que já chega ao actual primeiro-ministro, convém não o subestimar. Sócrates transformar-se-á no que os guerreiros do marketing político lho ditarem. E como agora tantos falam em humildade o primeiro-ministro será humilde. Talvez até sereno e simpático para com os seus adversários. Nem que tenho que ensaiar a metamorfose mil vezes, só aparentemente contrariando a sua natureza (o que quer é o mesmo). E agradece a moção de censura. Não nos iludamos, será o mesmo."

In Correio da Manhã - Paula Teixeira da Cruz, Advogada - Julho 2009

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